quinta-feira, 3 de setembro de 2015

Introdução

Nos primórdios da colonização do Brasil, a cruz e a espada marcaram a presença européia, símbolos da fé cristã do período militar. No Espirito Santo, como alguns lugares do Brasil colonizado do século XVI, foram frequentes as lutas pela posse da terra com a Igreja Católica atuando no auxilio ao predomínio lusitano. 
O colonizador português queria terras para poder explorar, plantar e produzir, e produziu a cultura deixada por tradição em contos, musicas brincadeiras e na arquitetura, por exemplo, o Convento Nossa Senhora da Penha, que é o monumento mais popular do Espírito Santo.
Este legado cultural do período colonial é, sem dúvida, para as terras capixabas, o mais precioso patrimônio herdado pelo continente Europeu. 

Video : https://www.youtube.com/watch?v=Nx8-P0ZN4eU

Razões da emigração italiana

Por parte da Itália, todos bem sabem, uma palavra resume as razões da emigração: a miséria. O primeiro e mais importante documento de identidade dos emigrados, o passaporte, quer em nome de sua majestade Vítor Emanuel II, quer em nome de Umberto I, testemunha esta condição. No lugar do selo, os passaportes trazem, com frequência, os seguintes dizeres: “Senza marca per comprovatamiserabilità”. Ou “esente da bollo per comprovatapovertà”. Noutros aparece simplesmente a palavra “gratis”. O passaporte de Luigi Zuccolotto, natural de Lentiai&mdashBelluno, expedido em dezembro de 1888, traz selo e carimbo, mas uma carta, 25 anos depois, em 6 de outubro de 1913, assinada por BasilioPiccolotto, diz ao filho de Luigi: “Chiedete a vostro padre delviaggiochefece a Genova, ilquale non se decidevadipiùmontare in treno a Milano se non ledavoio i bigliettiferroviari, perchèle mancava ildenarodiprenderli (…) allorapotevo, mentreoggihobisognoio”. Miséria de uma Itália que não existe mais, mas miséria declarada nos documentos pelos respectivos administradores, miséria nos corpos doentes, mal alimentados, cansados, forrados apenas de esperança.
Navio com italianos no porto de Santos (1907).

Os insucessos da colonização alemã

O Espirito Santo teve duas colônias alemãs, a de Santa Isabel em 1847 e a maior, de Santa Leopoldina, em 1856. Os laços de parentesco com a família imperial austríaca, no entanto, não justificava a má condução e o repetidos fracassos dos inumeráveis empreendimentos colonizadores.   
 Quando a Alemanha proibiu, de uma vez, a emigração para o Brasil, começaram a aparecer tratados e obras de conselheiros do Império Brasileiro tentando mostrar a realidade dos fatos. Uma circular endereçada aos cônsules do Brasil na Europa, de 20 de novembro de 1871, recomendava que os imigrantes a virem para o Império deviam ser indivíduos habituados a trabalhos rurais e se excluir os habitantes de cidades manufatureiras que não iriam se adaptar facilmente à agricultura.É sabido que havia interesses e interessados em despejar no Brasil gente de toda espécie e mesmo criminosos e desocupados. A província do Espírito Santo recebeu, no início dos anos setenta, uma leva de polacos que criaram os maiores problemas na colônia de  Santa Leopoldina. Tanto é verdade que o diretor da colônia escreveu ao Presidente da Província:

A ociosidade, o descaramento, o ratonice, o gênio desordeiro são os caracteres distintivos do Polaco. Por conveniência e moralidade do serviço fui forçado a não deixar sequer um Polaco nas turmas em que trabalhavam os alemães (pomeranos), pois o seu contato era por demais sensível ao serviço. Essa gente foi como uma praga lançada sobre essa colônia:  passagem de um grupo dele é sempre perfeitamente traçada pelo destruição e roubo ou furto de alguns objetos. Tudo lhes serve; alguém pode ficar tranquilo diante desses talvez fregueses das casas de correção de Possen? Alguém julga-se tranquilo diante desses verdadeiros bandidos?

O depoimento de Enrico Ferri

Emigração significava abandono. O que parecia um jogo de palavras era, no entanto, um problema fundamental para os imigrantes. Identidade não é coisa que se arranca de um povo tirando-o de um lugar e colocando-o num outro. Também não foi uma viagem de trinta ou quarenta e cinco dias de navio que apagou a sua especificidade, a sua diferença. Identidade é o reconhecimento social da diferença e ela aparece no conflito das culturas.

              Não é o momento de teorizar a questão da identidade. É preciso historiar o sangue nas veias, alguns fatos, o tempo da ocupação do lugar chamado Espírito Santo, no Brasil, para que se possa avaliar a importância e dimensão deste acontecimento. O tempo desta aventura durou somente vinte anos, ressaltando-se que, no dia vinte de julho passado, completaram-se cem anos da proibição, por parte do governo italiano, da imigração para aquela então província. O que motivou tal proibição foi a instalação de imigrantes, na sua maioria lombardos, no núcleo Muniz Freire às margens do caudaloso Rio Doce. O representante consular caracterizou a iniciativa como um desastre. Foi o último.
Enrico Ferri (1856 – 1929) foi um criminologista e político socialista italiano.

Núcleo Muniz Freire: centenário de um fracasso

              “No dia 15 do corrente mês chegaram a Vitória 14 famílias de colonos italianos, constituídas por 30 pessoas ao todo, entre as quais três senhoras gravemente doentes, e as outras sofredoras febris pelas privações e fadigas sofridas.
               Elas provinham do núcleo colonial Muniz Freire situado no Rio Doce, que foi criado no final do ano passado (1894) com aproximadamente 450 colonos italianos recrutados por conta deste Estado através da companhia de navegação “La Veloce” em várias províncias e especialmente na comune de Sannazzarode’Burgondi, que contribuiu com 44 famílias.
             Os sobreviventes contam que a sua colônia (que lhes foi destinada depois que passaram dois meses num barracão esperando que fosse feita a medição dos lotes) estava num lugar tão próximo do rio e tão baixo que, com as primeiras chuvas, as águas a inundaram e invadiram as barracas, mesmo construídas sobre palafitas com a altura de um metro do chão.
              Os colonos resolveram pedir, como era de direito, para serem transferidos para outra colônia situada em melhor condição. Não satisfizeram a este pedido; ao invés, disseram que os colonos estavam desvinculados de qualquer contrato, mandaram o médico ir embora; e deixaram vazio o depósito de mantimentos: assim que, nos últimos dez dias os colonos sofreram fome e se sustentaram com um pouco de farinha e feijão estragados misturados com alguma erva colhida.
Começou então o êxodo dos pobres italianos: com seus poucos trastes se dirigiram às colônias de Alto Bérgamo, Santa Cruz, Pau Gigante, Conde d’Eu, procurando os meios de viagem, vendendo, pouco a pouco, a preço vil, os seus pertences.
Com estas palavras, o cônsul italiano em Vitória, Dall’AsteBrandolini fazia o seu relatório mostrando o abandono em que se encontravam os imigrantes, desta vez, pelo governo brasileiro. O governador do já então estado republicano reagiu respondendo às nove razões apresentadas pelo cônsul visitante Carlos Nagar: Devo reconhecer que há fundamento nas três primeiras acusações, mas todas as outras não resistem à mais ligeira análise. Acusações a mais ou acusações a menos, o fato era que “a vaca tinha ido para o brejo” segundo um ditado popular brasileiro. Em bom português dizia o decreto do rei italiano:

O Real Ministério do Interior, informado de que no estado do Espírito Santo, quer pela maneira como está regulamentado o serviço de imigração, quer pelas condições econômicas, climatológicas e higiênicas da região, aqueles que para lá emigram vão de encontro a danos e prejuízos certos e gravíssimos, decreta: Fica proibido até nova ordem aos agentes e subagentes fazer operações de emigração pelo porto de Vitória e, em geral, pelo estado do Espírito Santo.

Breves notícias da província


O Espírito Santo de 1870 possuía no seu litoral atlântico somente três cidades e dez vilas. O resto era uma barreira de matas virgens com índios e febres malignas para quem a quisesse enfrentar ou transpor. Sua agricultura era de subsistência. Com relação à indústria produzia cal, tijolos, telhas e peixe salgado para consumo interno. Dentro da política geral de imigração para o Brasil, o que a “Breve notícia” dizia da província era que:

O desaparecimento gradual e constante que se vai operando na população escrava e a falta de braços livres que substituam os dos cativos,são por certo a causa principal do pouco desenvolvimento da lavoura, que se acha ali circunscrita aos vales dos grandes rios e às terras adjacentes à parte navegável daqueles cursos d’água.
Tem contribuído igualmente para a marcha lenta da agricultura a extração de madeiras, e de outros produtos naturais, visto a lavoura exigir inteligência, trabalho e constância por parte do homem, enquanto que esses produtos se apresentam de modo espontâneo à extração e oferecem ao mercado um gênero de troca fácil, rendoso e independente de qualquer esforço ou empate de capital.

Primeiro problema: a escravatura

A escravatura não era o problema mais sério que o Espírito Santo devesse enfrentar porque quase não possuía fazendas e tinha uma reduzida população. Santa Catarina, Paraná e Espírito Santo contam igualmente poucos cativos, dizia Tavares Bastos .Não devia ter mais de 2% da população total
Representação visual da situação discutida.

Segundo problema: a vocação agrícola do Brasil

Aos 13 de dezembro de 1873 o ministro da Agricultura, Comércio e Obras Públicas encomendava ao conselheiro João Cardoso de Menezes e Souza um “plano para se promover no país a emigração e colonização que, aumentando a sua população válida e laboriosa, dê lugar a que se desenvolva pelo trabalho, máxime o da lavoura, a riqueza pública e particular e os muitos elementos de grandeza e prosperidade, que encerra o território nacional”. Depois de dois anos saiu o volume com mais de 450 páginas. Eram oito os obstáculos que desviavam do Brasil a corrente imigratória com uma reação em cadeia, de prejuízos:

I
A falta da liberdade de consciência; a não existência do casamento civil como instituição, imperfeita educação, a ignorância e a imoralidade do clero; a ambição de mando temporal por parte do Episcopado Brasileiro, traduzindo-se na luta impropriamente chamada &mdash questão religiosa.II
A insuficiência do ensino e principalmente a ausência de instrução agrícola e profissional.
III
O diminuto número de instituições de crédito, especialmente de bancos destinados a auxiliar a pequena lavoura e indústria.
IV
As restrições e estorvos, que a Legislação e a Pública Administração do Império põem à liberdade de indústria, peando, em vez de desenvolver, a iniciativa individual.
V
Os defeitos da lei de locação de serviços e dos contratos de parceria com estrangeiros; as lacunas e a inexecução da lei de terras públicas e a não existência do imposto territorial sobre os terrenos baldios e sem edificação.
VI
A falta de transportes e de vias de comunicação, que liguem o centro e o interior do Império aos mercados consumidores e exportadores.
VII
A criação de colônias longe desses mercados e em terreno ingrato e não preparado, bem como a falta de providências para a recepção dos emigrantes e colonos nos portos do Império e para seu estabelecimento permanente nas colônias do Estado, ou nos lotes de terras, que compram.
VIII
A incúria em fazer conhecido o Brasil nos Estados, donde procede a emigração, de que necessitamos, e em refutar, por todos os meios de bem entendida publicidade e por penas hábeis e desinteressadas os escritos, por meio dos quais naqueles Estados nos deprimem, exageram nossos erros em relação aos emigrantes e nos levantam odiosos aleives.

O pioneirismo do Espirito Santo

O Espírito Santo sediou o primeiro grupo pioneiro trazido por Pedro Tabachi em fevereiro de 1874 no navio Sofia, de 386 pessoas.
O estabelecimento por aglomeração que deu os melhores resultados nos Estados Unidos da América deu também ótimos resultados no Espírito Santo. Vinham todos em grupo de uma mesma região da Itália e mantinham fortes relações familiares de amizade, vizinhança e mútuo apoio. Às vezes eram vilas inteiras.
              O projeto colonizador no Espírito Santo assinala a presença de açorianos na colônia de Santo Agostinho, hoje Viana, nas proximidades de Vitória em 1812. Em 1847, alemães da Prússia fundam Santa Isabel. Em 1854 se funda a colônia de Rio Novo. Em 1856 cria-se a colônia de Santa Leopoldina com holandeses, suíços e alemães pomeranos. Dentro desta última colônia vão ser fundados os núcleos de Timbuí (Santa Teresa) em 1875 por austríacos trentinos e, em 1877, o núcleo de Santa Cruz (Ibiraçu) este sim ocupado por italianos Vênetos.
              A primeira fase de ocupação do território capixaba por italianos vai de 1874 até 1885. Dez anos após a chegada dos primeiros colonos também os filhos dos imigrantes maiores de dezoito anos tinham o direito de receber um lote de terra nas mesmas  condições que os pais. Inicia-se uma retomada. Em 1887 fundam os núcleos Acioli Vasconcelos, Senador Prado e Santa Leocádia. Criam-se os núcleos Costa Pereira 1889, Afonso Cláudio 1890, Demétrio Ribeiro 1891, Nova Venécia 1892, Muniz Freire 1894, todos no interior.

O rio Doce, com quase um quilômetro de largura, divide o Espírito Santo ao meio. O projeto histórico de torná-lo útil à navegação jamais foi conseguido. Somente em 1928 foi construída uma ponte na região de Colatina e a partir daí iniciou-se a ocupação tardia de uma vasta região de floresta ao norte do Estado. Ainda nesta época foram localizados índios botocudos na região. Mas foram sobre tudo os descendentes de italianos que a ocuparam. Em 1960 o governo brasileiro promoveu uma política de erradição dos cafezais. Colatina foi, em 56, o município maior produtor de café do país. Com a erradição, milhares de pequenas propriedades se tornaram pastagens. Vinte mil famílias capixabas emigraram, por sua vez, para os estados do Paraná, São Paulo e Rondônia. As conseqüências daqueles 20 anos de colonização fazem a atual história do Espírito Santo.

Cidadania e identidade

Verifica-se no Espírito Santo uma tendência sui-generis: uma quantidade considerável, sobretudo de jovens, descendentes daqueles camponeses italianos, na universidade, nas empresas e em todos os ramos da atividade pública, requer no vice-consulado honorário ou nas entidades de cultura italiana, que se multiplicam como cogumelos nas pequenas vilas e municípios, a dupla cidadania. Ser ou não ser cidadão é uma questão de auto-estima, é uma questão de identidade.
O Espírito Santo deve ter mais de um milhão e meio de cidadãos brasileiros que, virtualmente, pelo iussanguinis têm direito à dupla cidadania. Calcula-se que o Brasil tenha mais de dez milhões nesta condição. O que não é um problema para o estado e para o país pode tornar-se um sério problema para a Itália.
              Mas o problema da dupla cidadania deve ser discutido em nível político e diplomático.  São, afinal, direitos e deveres consignados nas respectivas constituições dos dois países.
O fenômeno interessante que está por trás desta procura e demanda é a questão da identidade ítalo-capixaba. Quem nasce no Espírito Santo é espírito-santense. Capixaba é o patronímico dos nascidos na ilha de Vitória que é a capital do estado e que, por extensão, se aplica a todos os nascidos no Espírito Santo.
               Entendem que não basta ser cidadão de um país mas cidadãos do mundo. O jovem do Espírito Santo sabe que não é a polenta, o vinho, a canção ou a saudade dos “nonnos” que o fará italiano ou brasileiro. É mais. É um patrimônio de vida e de cultura legado pelos antepassados que não vai perder-se através do tempo, mas vai firmar-se na História.
Ilustração de um passaporte Italiano.

Bibliografia

Links : http://www.es.gov.br/EspiritoSanto/paginas/presenca_europeia.aspx

http://www.estacaocapixaba.com.br/temas/imigracao/estudos-sobre-imigracao-italiana-no-espirito-
santo/

Imagens :  http://image.slidesharecdn.com/aaboliodaescravaturaeofimdoimprio-110510191943-phpapp02/95/a-abolio-da-escravatura-e-o-fim-do-imprio-10-728.jpg?cb=1305055246 

https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/b/b1/Naviodeimigrantes.gif


http://silvanabertolucci.com.br/wp-content/uploads/2014/09/passaporte-italiano.jpg